Por Felipe de Queiroz
Em meio a uma semana intensa, a Team partypoker Dayane Kotoviezy havia reservado a segunda-feira, 4 de maio, para descansar e conceder uma entrevista para o blog do partypoker.
Oito dias antes, ela havia conquistado o quarto lugar no principal torneio semanal da sala, o partypoker MILLION – faturando US$ 54.278. O estado de espírito da jogadora misturava euforia e estafa – a ponto de ter se esquecido, por um momento, que a folga (e a entrevista) teria que esperar um pouco mais.
Exatamente naquela segunda, a jogadora tinha um compromisso inadiável: estava entre os 175 classificados para o Dia Final do Main Event do KSOP Online – festival que fazia sua estreia online na tela do partypoker.
Ela quase se esqueceu do torneio, mas isso em nada lhe prejudicou. Day não apenas disputou a decisão, como cravou o torneio, faturou US$30.237 – depois de superar um field total de 1.172 entradas – e, de quebra, também venceu o ranking do festival. Foi o desfecho perfeito para uma semana impecável.
Alguns dias depois, Day finalmente conversou com este blog. Falou de tudo um pouco. Das origens, da carreira e de tudo o que passou para chegar onde está hoje. E claro, também, do título no KSOP.
“Foi a maior conquista da minha carreira”, conta a jogadora. “Não foi a maior premiação – já tive maiores no online e no Live –, mas foi a mais importante porque veio em uma das maiores séries de poker ao vivo do Brasil”.
O trunfo no KSOP é o mais recente de muitos bons resultados que vem consolidando a jogadora com um nome relevante do poker brasileiro. É mais um passo de uma trajetória que começa lá atrás –antes dela se tornar profissional – e vem sendo percorrida passo a passo; conquista a conquista, como vamos contar a seguir.
“NUNCA GOSTEI DE BONECAS”
A imagem remonta à infância mais distante. Dayane – três, quatro anos se tanto – segura uma boneca, contrariada e fazendo cara de manha.
“Eu não gostava de boneca”, confessa, anos depois. Criança nos anos 90, ela queria mesmo era jogar futebol, competir e fazer tudo o que durante muito tempo foi considerado “coisa de menino”.
“Meus amigos jogadores de poker costumam dizer que eu sou a pessoa mais competitiva que eles conhecem”, diz a profissional. “E isso tem muita relação com a minha história de vida”.
Aquela criança/adolescente – que passava as tardes competindo com outras meninas e meninos – ainda não sabia, mas cultivava desde pequena uma personalidade talhada para jogar poker – um esporte ao qual só seria apresentada muito tempo depois.
DO MARKETING ÀS MESAS: AS VÁRIAS ETAPAS DE UMA CONQUISTA
Foi no ano de 2009, que o poker entrou, finalmente, na vida da Dayane Kotoviezy. Paixão imediata – tal qual fora o futebol na infância -, ela começou naquele ano a frequentar os clubes de Curitiba, sua cidade natal. Naquele momento, porém, o jogo era só diversão e ela não vislumbrava a chance de ser profissional.
Um cenário que mudou, porém, três anos depois, quando Day – na época uma profissional de marketing – se mudou para São Paulo para ingressar no programa de trainee do Carrefour. E na capital paulista, conheceu novos horizontes.
“Eu era apaixonada por poker, mas não achava que conseguiria viver disso. Em 2012, eu mudei para São Paulo e conheci um universo muito diferente, com vários clubes e muitas oportunidades, passei então a jogar regularmente em clubes conciliando minhas atividades profissionais”, lembra Day, hoje patrocinada pelo partypoker.
O efeito foi quase imediato. A cena efervescente do poker ao vivo em São Paulo mudou a vida da jovem curitibana. No ano seguinte – enquanto completava seu programa de trainee e tentava crescer dentro do Carrefour, gigante do mercado varejista –, ela se tornou presença regular em casas locais, como o H2Club e Stars Club.
Na Terra da Garoa, ela mergulhou no poker; fez amigos e contatos – cultivados a cada torneio – que mudariam sua carreira e vida para sempre.
COM MOJAVE, A PRIMEIRA PARCERIA
Dos muitos amigos que fez jogando poker em São Paulo, um deles foi Felipe Ramos, o Mojave, figura histórica do poker nacional. Em 2014, o jogador – e empresário de poker – de São Bernardo do Campo investia em um time para jogar o circuito da cidade e viu em Day – que já acumulava bons resultados – um talento a ser lapidado.
“Eu jogava para o time dele conciliando o meu trabalho de marketing. Então de dia eu trabalhava e a noite eu jogava esses torneios. E os fins de semana eram dedicados ao poker”, lembra Day. “Eu viajava para as competições nacionais todas. Então foi um momento bem rico, porque eu conheci muitas pessoas e percebi que eu poderia ser profissional”.
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Eu adoro as fotos do @pokerdoc. #bsopmilions #MojaveSports #mojavetraining
“CRISE” VIRA OPORTUNIDADE
“Em 2016, depois de ter passado por várias experiências no live, entendi que era isso que eu queria fazer na vida, mas é obvio que não era simples migrar de uma hora para outra”, conta a jogadora.
O poker, estava claro, era a paixão de Dayane. E a ideia de virar profissional já lhe martelava a cabeça. Mas, entre sonho e realização, havia, sobretudo, dois passos a percorrer.
Um deles era desenvolver melhor seu jogo no poker online. O outro – e provavelmente o mais difícil – seria trocar um bom emprego (naquele momento era gerente de marketing numa rede drogarias) pelo universo fascinante, mas cheio de incertezas, do poker. Day tinha uma decisão complicada a tomar, mas o destino lhe ajudou – escrevendo certo por linhas tortas.
“Oportunidades nascem das crises”, dizem os gurus de autoajuda,em frases de efeito que muitas vezes não significam muita coisa. No caso de Dayane Kotoviezy, porém, foi exatamente isso o que aconteceu.
Em fevereiro de 2017, ela foi demitida. O contratempo, motivo de lamentação em casos normais, acelerou sua entrada para o poker profissional: “Já tinha a intenção de migrar no final 2018 (…) Aí não pensei 2 vezes”.
FINALMENTE, PROFISSIONAL: E AGORA?
Day Kotoviezy tinha já anos de experiência no poker quando passou, de fato, a viver do esporte. Nem por isso, a transição foi tranquila. Fazer a empreitada “virar” e garantir que tudo valeria à pena lhe custou dedicação intensa e abnegação.
“Eu abri mão de tudo. Não fui a nenhum compromisso social. Perdi inúmeras reuniões com minhas amigas, porque elas aconteciam sempre aos sábados e domingos. Só jogava, estudava”, conta a jogadora, que garante, porém, não ter pensado duas vezes ao renunciar às distrações do cotidiano. “(Estudar e jogar) me fazia muito feliz”.
O primeiro passo neste processo de aprendizado e evolução foi firmar outra parceria: desta vez com o regular do online Daniel Aziz.
“Daniel acreditou, junto comigo, que era possível e dedicou horas de estudo para me ensinar”, conta a jogadora sobre a união, que durou quase um ano e foi fundamental nos primeiros passos como profissional.
A combinação entre boas escolhas, coragem e ajuda do destino levou Day ao poker profissional e a novas oportunidades. Nesse meio tempo, bons resultados lhe ajudaram a abrir mais portas.
Em setembro de 2017 – quando ainda fazia parte do Mojave Team –, Day foi contratada pelo partypoker – a princípio para integrar uma equipe feminina da sala, com jogadoras do mundo inteiro.
Seis meses depois, em 5 de março de 2018, ela foi anunciada – ao lado de Lui Martins e Renato Nomura – como nova representante também do time online da sala. Um dia antes, coincidentemente, a paranaense havia vencido o evento Ladies da Powerfest.
Time partypoker: um mundo de oportunidades
Se a chegada a São Paulo já significou uma mudança de parâmetro, o ingresso na equipe do partypoker foi como abrir o portal para um mundo mágico e significou o ponto de mudança mais importante na carreira de Day Kotoviezy até hoje.
“(Ser parte do time) tem me ajudado a evoluir muito. Com as viagens, eu adquiro mais experiência no live, me aproximo do time do partypoker que tem me apoiado muito e troco informação com jogadores do mundo inteiro, acho isso sensacional” diz Day, refletindo sobre a parceria que já dura quase três anos.
Uma vez parte do time, passou a disputar com frequência os eventos do partypoker Live pelo mundo e enfrentar os melhores do jogo. Ora em Punta del Este, ora nas Bahamas, no Rio ou nos melhores cassinos da Europa.
Foi no velho continente – no Cassino Barcelona, aliás – que viveu uma semana mágica e inesquecível de poker, que influenciaria restante de sua carreira. Em abril de 2018, meses depois de assinar contrato com a sala do diamante laranja, a paranaense disputou pela primeira vez um evento do partypoker MLLIONS e atraiu os holofotes da imprensa especializada do poker, depois de conseguir duas retas finais em torneios de grande porte.
Em 10 de abril, Day foi 15ª, entre 1.716 participantes, no Open de € 1,100 e ficou com a premiação de 9 mil euros. Dias depois, conquistou – por meio de satélite – uma vaga no High Roller de US$ 10.300 e conseguiu sua campanha de maior destaque na carreira até aquele momento.
“Na minha grade de torneios estavam dois paralelos e dois satélites para o ME – que eu só jogaria caso ganhasse vaga no satélite”, lembra a jogadora. “Joguei os dois satélites e ganhei duas vagas de $10K, uma para o Main Event e outra para o High Roller.
APRENDENDO… MAS DEVORANDO OS TUBARÕES EM BARCELONA
Ao levantar a cabeça e observar as mesas ao redor, ela via, de um lado, o russo Anatoly Filatov ; de outro, o casal número um do mundo Kristen Bicknell e Alex Foxen . Mais adiante Erik Seidell . Profissional há um ano, ela estava imersa em um “tanque de tubarões”.
Ambiente intimidador? Talvez, mas foi a oportunidade perfeita para testar seu jogo contra os melhores. “Eu não tinha nem me preparado para jogar um torneio de 10k, mas naquele momento eu estava estudando muito e a minha confiança e a minha autoestima estavam muito lá em cima”, lembra a jogadora. “Eu pensava que para eles aquele era mais um 10 k. Então eu imaginava: seu eu não errar eu tenho chances de competir com eles, embora eu tivesse consciência que eles sabiam muito mais do que eu”.
De fato, na primeira experiência em eventos de US$10k, Day foi brilhante e chegou à mesa final – onde esteve acompanhada, entre outros, de Isaac Haxton , Benjamin Pollak , e Jake Schindler e dos já citados Foxen e Haxton. Ao final, foi eliminada na sétima colocação, pelo também renomado Joey Weissman , e ficou com a premiação de €85,000.
O resultado valeu também pela premiação, mas significou ainda mais. Em Barcelona, ela adquiriu experiência, aumentou sua confiança e conheceu gênios e lendas do poker do poker.
“Eu observava o que eles faziam sobre todos os aspectos. Tive a experiência, por exemplo, de tomar um café e conversar com o Erik Seidell ”, conta Day, que sobre o lendário americano, a quem reencontraria meses depois em Las Vegas, na WSOP.
“Foi um networking incrível, que me deu grande visibilidade”, diz a jogadora, que ganhou, sobretudo, confiança para o prosseguimento da carreira. Nos meses, seguintes, Day empilhou uma série de bons resultados no circuito partypoker LIVE, como a nona colocação no Monsters do WSOP-C 2018 e o 11º lugar no Main Event do MILLIONS South America 2019 – ambos eventos realizados no hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro
MIDAS: MAIS UM PASSO RUMO À EXCELÊNCIA
Os bons resultados conseguidos nos primeiros dois anos evidenciaram que a decisão de se profissionalizar foi acertada. Mas Day sabe que ainda resta um caminho longo para chegar onde quer. Por isso, ela firmou, no começo em março de 2019, outra parceria; desta vez com o Midas Poker Team, equipe baseada em Curitiba.
Depois de ter aprendido com Mojave e Aziz, a paranaense agora evolui diariamente a partir do dos ensinamentos de Luciano Holanda, Francisco Pacheco, Daniel de Almeida e Caio Almeida – sócios e instrutores da equipe.
“Há um ano e meio eu estudo com o Midas Poker Team e os sócios do time tem sido minha principal base, eu consigo ter deles direcionamento para vários assuntos”, conta a jogadora. “Então sem dúvidas, eles são fundamentais na minha formação como profissional”.
Produtiva, a parceria já lhe rendeu muitos frutos. Os mais evidentes são os bons (em alguns casos excelentes) resultados, como a quarta colocação no MILLION e os títulos no KSOP – do Main Event e do ranking geral.
Mas a consequência mais importante é silenciosa e está no dia a dia. A evolução técnica que, com o tempo, vai levar a big hits maiores e mais frequentes. Que vai levá-la a ser a jogadora que ela deseja ser.
Perguntada se os títulos conquistados no último mês significam uma nova etapa em sua carreira, Day diz que não. “A comunidade do poker entende que um resultado não define ninguém. Eu já jogo esses torneios há dois anos, mas só agora o resultado veio, bem normal isso no poker. Eu pretendo seguir a minha rotina de jogos e estudos jogando os mesmos buy-ins que eu vinha jogando. O objetivo é subir de buy-in de acordo com a minha evolução no jogo”.
Dayane Kotoviezy já conquistou muito em sua carreira. Evoluir tecnicamente a ponto de superar os melhores é o próximo obstáculo a ser superado. É um objetivo ousado, mas desafios são rotina em sua vida bem antes dela chegar no poker, como ela lembra bem, citando um episódio – aparentemente sem maior importância – da adolescência.
“Aos 16 anos, comecei a jogar futebol com os meninos, mas sempre era última a ser escolhida para formar o time. E isso me irritava. Continuei treinando. Até que um dia ficaram dois meninos a serem escolhidos depois de mim, eu me senti muito vitoriosa nesse dia!
Seja no campinho de terra, no High Roller no cassino Barcelona ou no campo de batalha do poker online, a história mostra que ela vai fazer tudo para chegar lá.